Enquanto
no Brasil a recente Lei do Descanso – 12.619 – provoca discussões e
resistências, nos Estados Unidos a jornada de trabalho do motorista de
transporte de carga é regulamentada desde 1940. De vez em quando, a lei
muda – para aumentar o descanso. A última vez foi em dezembro do ano
passado: o limite de horas ao volante foi reduzido de 82 para 70 horas
semanais.
O caminhoneiro norte-americano pode trabalhar até 14 horas por dia. No
volante, não pode passar de 11 horas. Nas outras três, o caminhão tem
que estar parado. E ao fim das 11 (ou das 14) horas, ele tem que fazer
um descanso de 10 horas.
Esses limites refletem o resultado de pesquisas que avaliaram a fadiga
dos motoristas nas estradas, disse o secretário de Transporte dos
Estados Unidos (equivalente a ministro no Brasil), Ray LaHood, quando o
governo propôs a lei atual.
Conforme dados do Instituto de Seguros dos Estados Unidos para Segurança
Estradas, o risco de acidente, para o motorista de caminhão que fica ao
volante mais de oito horas, é mais que o dobro do motorista descansado.
Esses limites de jornada de trabalho são parecidos com os que estão em
vigor no Brasil. Os motoristas americanos reclamam. Não do salário, que
lá é melhor que aqui. Mas eles também sofrem pressões das empresas para
cumprir horários impossíveis. Outra queixa é uma coisa só deles: são
obrigados a anotar, num diário de bordo, os horários que cumpriram a
cada dia. É o diário que os inspetores vão verificar, na estrada.
Lá,
a fiscalização é coisa séria – e a punição pode ser cadeia. Em 2011, os
12 mil inspetores federais e estaduais que fiscalizam os 7 milhões de
caminhões existentes no país, realizaram 3,5 milhões de abordagens e
verificações nas rodovias, resultando na comprovação de 1,2 milhões de
violações. Desse total, quase metade – 578 mil – foi constatada no
diário de motoristas: excesso de horas de trabalho, falsos diários,
preenchimento desatualizado ou incorreto. A multa por não manter o
diário atualizado é de 1 mil dólares por dia, podendo atingir até o
valor máximo de 10 mil – mais de R$ 20 mil.
Derrick Roskam, do Estado de Iowa, disse que o relatório diário é tão
cheio de detalhes que existem vídeos no Youtube ensinando a preencher.
“Eu até poderia arrancar uma folha e fingir que não trabalhei hoje, mas
se um auditor viesse à minha casa e analisasse todos os meus diários dos
últimos dois meses, ele perceberia que burlei a lei e me daria uma
multa salgada”, contou Roskam. “Além disso, eles passariam a prestar
mais atenção em mim no futuro”.
Roskam disse que o registro diário existe há décadas. O assunto é tão
sério que, em maio passado, o motorista Valerijs Nikolaevich Belovs, de
58 anos, foi sentenciado a 18 meses de prisão, após confessar que tinha
falsificado seu diário no dia em que provocou um grave acidente na
Virgínia”.
Allen Kroeze nunca se envolveu em acidentes. Ele também critica o
detalhismo do diário. “Temos que especificar o número de horas
dirigindo, carregando ou descarregando o caminhão, ou esperando em fila.
O tempo perdido em espera não pode ser compensado como se fosse de
descanso”. Também existem papéis relativos ao seguro e ao peso do
caminhão para preencher, disse ele.
Kroeze é caminhoneiro há quatro anos. Em 2008, desembolsou 110 mil
dólares (R$ 220 mil) por um caminhão e partiu para a estrada. “O gasto
com manutenção é elevado, mês passado paguei 4 mil dólares por oito
pneus, mas dá para ganhar algum dinheiro”, informou.
Dois motoristas encontrados pela reportagem numa área de descanso em
Tulsa, Oklahoma, têm experiências diferentes em relação ao diário de
bordo.
O texano David Lax, na estrada há 19 anos, prefere preencher tudo
direitinho, apesar do trabalho que dá. “Na empresa, sempre pegam o meu
diário como exemplo. Na estrada, os fiscais não ficam me segurando,
quando vêem que está tudo organizado”, conta David.
Alan Turner confessou que já desobedeceu a lei do descanso e se deu mal.
“Uma vez, na Califórnia, fiquei detido 24 horas por ter ficado 20 horas
ao volante e só fui liberado depois de pagar fiança”. Ele põe a culpa
na empresa: “A companhia pressiona e você acaba rodando mais do que o
permitido”. Em outra ocasião, passou pela balança e nem viu a
sinalização. “Estava tão cansado que já não tinha reflexo e nem
enxergava direito. Fui perceber a balança depois que já havia passado”.
No Brasil, muito mais mortes do que lá
As
estatísticas de acidentes de trânsito dos Estados Unidos dizem o
seguinte: em 2010, 3.413 pessoas morreram em acidentes com caminhões de
grande porte no país. Poucas dessas vítimas estavam nos caminhões – só
14%. Entre as demais, 72% estavam em veículos pequenos e 13% eram
pedestres, ciclistas ou motociclistas. Em choques entre caminhões e
carros, 97% das mortes foram dos ocupantes dos carros.
No Brasil, não temos dados tão precisos. Um estudo feito pela Pamcary,
divulgado em 2009, informava que os acidentes com caminhões matam 8.000
pessoas por ano. Outra informação, constante no Portal Volvo de
Segurança no Trânsito, diz que o número de mortes nesses acidentes chega
a 12.000 por ano. O Brasil tem menos de 2 milhões de caminhões. O nosso
índice de mortes é 14 vezes maior que o dos Estados Unidos.
Fonte: Revista Carga Pesada
Nenhum comentário:
Postar um comentário